Perfil de Molécula: John Beech
John Beech, maquinista de comboio, aproxima-se! Ou deveríamos dizer diretor criativo? Seja como for, como CEO da BeechCorp, John leva o seu papel de maquinista de comboio virtual muito a sério. Aqui, conversamos com o John sobre a sua vida passada como empreiteiro, a sua paixão por tanques da Segunda Guerra Mundial, e de ser o "o homem dos chefes" de LittleBigPlanet. Todos a bordo para o mais recente Perfil de Molécula!
Olá, John! Qual é o teu papel aqui na Media Molecule?
Sou o diretor criativo na Media Molecule e, para meu grande entusiasmo, neste momento sou o líder da equipa criativa responsável por Tren. Tren é um pequeno jogo sobre comboios que começou como um projeto pessoal pouco tempo depois de termos lançado Dreams, e que desde então, ficou a cargo de uma equipa mais ampla da Mm e se tornou num Original Mm. E agora, temos uma incrível equipa de craques a dar os toques finais em Tren, o que é muito emocionante!
Como é que Tren passou de algo em que trabalhavas individualmente a um projeto Mm?
Tren foi provavelmente um dos primeiros jogos que ajudaram a definir o processo de pequenos projetos se tornarem em algo maior dentro de Dreams. Mas, na Mm, sempre existiu esta cultura de jams de jogos, em que somos encorajados a criar coisas estranhas e maravilhosas e a fazer experiências. Tren começou essencialmente como um projeto pessoal, algo que eu criava no meu tempo livre. Penso que, inicialmente, eu só trabalhava nele durante as jams de jogos, às sextas-feiras. Depois disso, levei-o para casa e continuei a trabalhar muito nele durante o meu tempo livre.
A dada altura, acho que comecei a mostrá-lo porque estava mesmo muito entusiasmado, e a equipa de liderança da Mm abordou-me e disse: "John, gostamos mesmo do que fizeste aqui. Isto parece ser muito porreiro. Gostarias que nós adotássemos este projeto e de trabalhar nele a tempo inteiro?" Nessa altura, Tren tinha-se tornado uma ideia tão completamente desenvolvida na minha mente que decidi agarrar a oportunidade de materializar este projeto pelo qual me tinha apaixonado. Desde então, temos levado tempo a explorar a transição de projeto pessoal para projeto oficialmente aprovado e publicado pela Mm. Isso inclui trazer novas pessoas a bordo da equipa, definir o processo de aprovação, luzes verdes e metas, e todas essas coisas relacionadas com produzir e dar à luz um projeto. E tem sido um grande trabalho de equipa que nos uniu à volta daquela minha semente inicial de entusiasmo por Tren.
A estética de Tren é quase como uma caixa de brinquedos da nossa infância, repleta de comboios de madeira e peças de carris. Costumas usar as tuas experiências pessoais quando crias os teus próprios jogos?
Sem dúvida. Especialmente com Tren, queria trazer ao jogo a minha visão do mundo e mostrar quão divertida a centelha criativa pode ser. O que quer que façamos, deve possuir um sentido de autenticidade porque nos estamos a inspirar nas nossas experiências em primeira mão. No caso de Tren, este projeto surgiu da minha paixão pelos comboios de brincar quando era criança. Eu queria mesmo captar aquela sensação de nostalgia e criar algo que quem gosta de comboios possa desfrutar. Mas, depois, Tren também possui uma espécie de meta-narrativa com a qual eu me identifico profundamente, porque, quando eu era mais novo, o meu pai costumava construir muitas maquetes de comboios, e essa atividade permitiu-nos criar muitas memórias juntos. Ele chegava a casa do trabalho e começava a construir estes pequenos comboios de brincar, e eu ia sempre para o lado dele para observar, aprender e envolver-me com o que quer que fosse que ele estivesse a fazer.
Agora, que também sou pai, acho que entendo a perspetiva do outro lado. A minha filha, Betty, gostaria de brincar comigo a toda a hora, mas eu tenho de trabalhar. Ela não consegue compreender que quando eu estou a trabalhar ela não pode brincar aos comboios comigo! Isso permite-me ter uma dupla perspetiva maravilhosa do mundo enquanto criança comparada com a de ser um progenitor. Para mim, Tren representa essa ligação entre progenitor e criança, e eu espero que isso ressoe com as pessoas que o joguem, apelando tanto a adultos como crianças. Eu acredito que é essa abordagem que conduz ao sentimento de autenticidade íntegro.
À semelhança de teres brincado com os comboios feitos pelo teu pai, esperas que a Betty venha a jogar Tren?
Absolutamente, e o mais porreiro é que eu comprei bastantes comboios de brincar para “pesquisa”. A Betty brinca com eles e, regularmente, vamos para a sala de estar e construímos um conjunto juntos, o que é bastante útil para o desenvolvimento de Tren. Posso observar como estruturei uma pista de comboios na nossa sala de estar, e relacionar isso diretamente com Tren. Muitos dos ambientes que criei dentro do universo de Tren são fortemente baseados na minha casa, que estive a renovar lentamente ao longo dos últimos dois anos, o que coincide com o período de tempo em que tenho trabalhado em Tren. Olho literalmente à minha volta e tenho uma parede de tijolos toda exposta aqui, peças de placas de gesso acolá, então foi muito fácil levar esse estilo caótico de casa em remodelação para Tren, e, obviamente, levar a Betty nessa viagem.
Tu trabalhaste sempre em design de jogos?
Eu sempre fui um designer. Inicialmente, era designer de níveis. Mas, antes de tudo isso, fui empreiteiro em Devon durante 11 anos, e passei muito tempo a aprender a construir coisas como paredes, piscinas, estuque, cozinhas, janelas, bermas e muito mais. Eu construía de tudo. Até que LittleBigPlanet foi lançado e me deixou maravilhado! E foi aí que comecei a construir coisas dentro desse jogo, como membro da comunidade. A Mm apercebeu-se do meu trabalho e ofereceu-me um emprego! Nessa semana, eu passei literalmente de empreiteiro a designer de níveis na Mm. Já se passaram quase 14 anos desde então. De certa forma, acho que deixei de construir coisas no mundo real para, em vez disso, me dedicar às construções digitais. A minha primeira tarefa foi trabalhar no DLC para LittleBigPlanet 1, e fui um dos designers de níveis principais de LittleBigPlanet 2. Depois, passei para Tearaway. E trabalho em Dreams desde a sua criação.
Então não possuis nenhum tipo de educação formal em design de jogos?
Correto, não possuo uma educação formal. De facto, quando eu era mais novo, eu sofria muito de enxaquecas, e perdi muitas aulas na escola. Não é para me gabar, mas eu era muito inteligente a nível académico, mas por faltar tantas vezes à escola, nem sequer me permitiram fazer os exames de certificação do ensino secundário. Por isso, tecnicamente no papel, eu sou altamente não qualificado, mas isso não me impediu de alcançar os meus objetivos e me tornar num bom designer de níveis. Mas o que mais me permitiu desenvolver as minhas capacidades foi a mentoria de trabalhar com outros designers de níveis incríveis, artistas e todas as pessoas fantásticas da Mm e de outras empresas de jogos com quem tive o prazer de colaborar.
Qual foi a coisa em que mais gostaste de trabalhar na Mm?
Obviamente, estou incrivelmente orgulhoso de Dreams, e lembro-me de quando adicionámos esculturas pela primeira vez, algo a que de início tínhamos chamado Editor de Bolhas. Os comandos de movimento Playsation Move tinham acabado de ser lançados, e como eu não sou um programador de jogos tradicional, foi muito fácil para mim adaptar-me a essa nova ferramenta. Eu não tinha ideias preconcebidas de como deveria funcionar, e comecei a criar modelos imediatamente, algo que eu pensava que só os programadores conseguiam fazer. Inicialmente, todos os artistas na Mm tiveram dificuldades porque estavam habituados a editores de vértices e coisas técnicas. Por isso, para mim, foi uma grande conquista eu ter sido a primeira pessoa a criar um monte de esculturas em Dreams e a descobrir novas formas de o fazer, foi um grande momento na minha carreira.
Outra coisa da qual me orgulho é a criação dos chefes para LittleBigPlanet 2, porque, por alguma razão (não faço ideia de como aconteceu), eu acabei por me tornar no homem dos chefes desse jogo. Eu não criei todos os chefes, mas criei definitivamente a maioria e há um, em especial, que adoro, Copernicus, no nível Jogada Matreira. É uma galinha robótica gigante que persegue o jogador ao longo do nível e esmaga tudo no seu caminho. Isso foi inspirado por um nível de LBP 1 onde uma noiva persegue o jogador num compactador de asfalto e eu quis criar uma versão disso. Mas eu gosto muito de mechs, por isso, tornei-a numa galinha mech durante uma noitada alimentada a bebidas energéticas. Estava tão entusiasmado com o que estava a criar que fiz tudo numa noite de quinta para sexta-feira, numa espécie de transe.
Às sextas-feiras, nós tínhamos algo chamado Apresentação de Sexta, onde mostrávamos as nossas ideias. Eu tenho esta manha em que quando estou mesmo muito cansado, começo a fazer beat boxing. Por isso, toda a gente se apercebeu de que eu estava mesmo muito cansado, com os olhos desfocados a fazer beat boxing pelos cantos. Comecei a jogar e há uma parte no nível onde se alcança aquilo que parece ser o final. Copernicus cai na lava, exatamente como no nível de LBP 1 que me inspirou, e o jogador alcança o quadro de pontuações. Mas o quadro de pontuações era falso, eu tinha criado uma réplica idêntica ao verdadeiro. Uma pessoa disse de repente "está muito bom, John, mas é um pouco curto", e mal tinha acabado de proferir estas palavras, Copernicus levanta-se da lava e recomeça a perseguição. O timing do comentário tinha sido perfeito, e as quase 50 pessoas que assistiam naquele momento recuaram assustadas e quase caíram para trás quando a galinha robótica se ergueu do chão coberta de chamas. Tenho mesmo muito orgulho desse momento.
Há algum conselho ou orientação que queiras oferecer às pessoas que estejam interessadas em design de jogos?
A razão pela qual consegui este emprego foi porque eu tinha algo que, naquele momento, era importante para a Mm: um monte de níveis de LBP de que as pessoas gostavam. Eu tinha algo que lhes podia mostrar diretamente, mesmo sem uma licenciatura em design de jogos. Ter um nível suficientemente bom para a Mm dizer "bem, esta pessoa tem potencial, pode ser que consiga criar algo bom" foi o fator que mais contribuiu para conseguir o emprego. Por isso, o meu conselho é que mostrem exemplos de trabalho que se relacionem com aquilo que vocês queiram fazer.
Eu vi candidaturas de emprego, CVs e portfólios onde há muitas palavras e coisas que não interessam, e é tudo muito bonito e dá uma ideia da experiência da pessoa. Mas o que eu quero verdadeiramente é uma ligação para um pequeno jogo em flash ou um jogo de telemóvel, ou outra coisa qualquer que tenham criado. Eu só quero jogar alguma criação, porque isso revela tanto mais. Dizem que uma imagem vale 1000 palavras. Bem, um jogo vale 1000 imagens, mais as palavras. Hoje em dia, há tantas formas de alguém se tornar num designer de jogos, mas quando eu era mais novo uma pessoa tinha de saber programação e ser boa a matemática. Agora, existem tantas ferramentas fantásticas que as pessoas usam gratuitamente. Os cursos de design de jogos são perfeitamente válidos, até porque eu gostaria imenso de ter frequentado um. Mas penso que quando se percorre um caminho invulgar para chegar à indústria, adquirimos um conjunto de habilidades invulgares em vez das que se receberia ao percorrer o caminho tradicional. E isso pode ser benéfico para algumas empresas que sejam um pouco mais excêntricas e criativas.
O pessoal da Mm parece ter uma variedade eclética de itens nas suas secretárias. O que tens na tua secretária neste momento?
Normalmente, tenho uma quantidade absolutamente ridícula de Legos na minha secretária no escritório, mas tive de os retirar por causa da remodelação do estúdio realizada este ano, por isso, a maioria dos meus Legos estão guardados porque a minha casa também está a ser renovada, e como tal, não tenho muito espaço livre. Mas tenho um tanque em Lego que eu desenhei e construí, um Conquistador britânico. É um tanque da era da Guerra Fria, final da Segunda Guerra Mundial. Eu adoro tanques britânicos, especialmente os da era da Segunda Guerra Mundial, e recriei-os a quase todos em Lego. Mas normalmente, eu tenho um número obsceno de Legos e até tenho um episódio engraçado relacionado com eles.
Quando estávamos no escritório, há uns anos, Hideo Kojima andava a visitar os vários estúdios da PlayStation para obter inspiração antes de abrir o seu próprio estúdio e criar Death Stranding. Ele veio à Media Molecule e quando entrou no escritório avistou a minha secretária coberta de Legos do chão ao teto. Parou imediatamente, virou-se, olhou para mim e exclamou algo em japonês com um tom entusiasmado. Obviamente, eu não entendo japonês, mas ele gesticulou em direção aos Legos e dava para perceber a excitação. Quando ele terminou de falar, o tradutor disse, "Kojima-San gostaria que soubesse que ele gosta mesmo muito dos seus Legos", e então ele fez-me um sinal universal de apreciação com ambos os polegares e continuou a andar. Eu fiquei ali estupefacto, porque obviamente todos nós sabemos quem é o Kojima-san e eu sou um grande fã. Ele é uma celebridade enorme e elogiou os meus designs de Lego, foi fantástico!
Para terminar, quais são os teus Sonhos preferidos, e há algum que gostarias de recomendar?
Existem muitos Sonhos fantásticos por aí, mas normalmente fico mais entusiasmado com esculturas únicas e coisas invulgares que as pessoas criam. Fico sempre espantado com estas coisas minúsculas que as pessoas criam e que me deixam muito entusiasmado porque esse é o tipo de coisas que eu faço para exibir as minhas criações através desses pedacinhos, e há algumas pessoas que eu gostaria de mencionar. Quer dizer, há muitas pessoas, mas aquelas que eu gostaria de destacar são Prinz_Laser e John-berg1995.. Ambos criam tanques da Segunda Guerra Mundial hilariantes de tão bons que são, com suspensões extremamente realistas, e isso é mesmo o meu tipo de coisa.
O que eu quero mesmo muito fazer um dia em Dreams é esculpir o tanque mais realista de sempre, desde a escotilha no topo aos pequenos parafusos, as soldas, as porcas, os rebites, e a poeira, e conseguir pôr tudo a funcionar e em movimento. Vejo como fizeram os deles e como conseguiram ter a suspensão e todas as partes móveis a funcionar e fico muito impressionado. Mas talvez seja melhor concluir Tren primeiro, não?
Tren será lançado em Dreams ainda este ano. Mantém-te a par das novidades com as nossas redes sociais(abre num novo separador) para saber quando este comboio chega à estação.
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